Já os nossos corpos mergulharam juntos por entre esta selva de luz roubada, em movimentos perfeitos, em voos alados, numa dança sem fim no centro de um palco sem público. Deixar correr agora cada gota na janela baça... Que desperdicio!

segunda-feira, março 30, 2009

Vou embora.

Levantei-me devagar e caminhei pelo traço de luz que rasgava as cortinas e a janela e os copos e os meus olhos. Cada passo gemia debaixo de mim num tom azedo de dor e de paixão, como se todo o meu peso e a minha carne gritassem, sufocados na minha garganta já seca. No adagio do meu corpo a lentidão da tua respiração em compassos certos e lentos. Cada suspiro um passo meu: exacto, preciso, desdobrado, conciso!... Não fosse o teu corpo inerte levantar-se num abraço meloso e derreter-se por cima de mim.
No canto, agarro os restos do nosso suor colados na roupa meio-minha-meio-nossa e empilho o meu coração no topo, lado-a-lado a um sorriso meu. Vesti tudo- o sorriso, o coração colado de papel, a roupa, o teu suor e o nosso cheiro. E agora? Estou sentado debaixo da cama, debaixo dos sussuros, dos gemidos loucos de prazer, dos corpos alados, dos braços suados, dos beijos ariscos no canto da boca... Consigo assistir ao meu próprio teatro, à fachada do meu corpo pintada de uma cor não minha e não sei entrar. Sinto-me prisioneiro fora do meu próprio corpo.
Estou sentado com a tua boca colada à minha.
Nas mãos trago a vertigem do teu corpo.
Nos olhos tenho aranhas e estrelas velhas, caducas de luz fugidia.
Nem de esguelha, com olhar altivo, nem de frente nem deitado te consigo pintar a estrela no canto olho!
E não posso mais passar-te a mão no corpo com outra pele na minha mão;
beijar-te com outro beijo que não o teu;
amar-te com um coração falso de papel...

Colho de novo a minha gargalhada longa e profunda e solto-a à saída. Quando acordares tens um beijo falso depositado nos teus cabelos e o corpo afagado pela pele de outro alguém. Desculpa. Vou embora.

3 comentários:

Cáh disse...

seria isso tudo a vontade de ainda ser o que não podes mais?
Seria desejo incontido de voltar, de reviver, de sonhar de novo e de novo e pra sempre?


Mas não vá embora....


texto embebido de prazer da mente, coisa que não se explica, não se entende!


Beijos!

Anónimo disse...

If you just realize what I just realized,
Then we'd be perfect for each other
and will never find another
Just realized what I just realized
we'd never have to wonder if
we missed out on each other now.

Daniel C.da Silva disse...

Muito bom. tanto que ate dá para psicanalisar ;)

Somos vizinhos so agora reparei... :)