Talvez tenhas mesmo decidido bater o pé no chão e ficar
Enquanto eu corro desacelaradamente para longe do abismo que nos separa
Sem saber como voltar atrás.
Não há música nem luz.
Mas há a promessa [vã?]
De um amor irrealizado.
Comigo o tempo corre mais lento que o normal, eu sei. Sei que cada segundo demora o tempo que o teu cérebro demora a descodificar o cheiro desumano da minha pele; o tempo médio que os teus neurónios demoram a explodir entre eles numa sinergia orgânica de um orgasmo elétrico que te faz salivar, devagar mas abundantemente, para dentro de mim.
Comigo o tempo não tem lugar: é inconstante como se os fotões decidicem tomar o caminho mais longo a percorrer a curta distância entre a minha boca (entreaberta) e os teus olhos pejados de outono só para poderem apreciar o caminho um pouco melhor, como se soubessem que o tempo (inexorável) não se repete nem se copia para nunca permitir que tudo volte ao que já foi. Movem-se à velocidade do bater das tuas pestanas, percebi hoje... E percebo-os tão bem!...
Comigo o tempo passa mais devagar porque o teu braço teima em não me abraçar quando o meu corpo pede por ti a meio da noite e a distância que separa os teus poros dos meus é a do suspiro que exalo quando te beijo tão devagar quanto os meus músculos me deixam sem me deixar estático em ti.
O tempo... O tempo é o vazio preenchido dentro de mim quando decides permitir-me dentro de ti, os segundos largados nos teus lábios esfomeados de outra coisa qualquer que eu ainda não desvendei e que trazes embrulhada dentro do teu peito sedento de uma qualquer outra coisa que não eu.
O tempo é a distância infinita entre mim e o teu coração escondido de mim, entre o teu peito e o meu beijo, entre os teus olhos e o meu corpo, entre as minhas mãos e a tua pele... Ai, são os segundos dentro dos minutos e horas de demoro a tentar, só tentar, tirar-te do céu da minha cabeça! E não consigo...
Sim, comigo o tempo corre mais devagar que o normal, como se eu quase pudesse pará-lo para não o deixar escapar, como se o quisesse tatuar na alma para não escapar mais; como se já soubesse que não vou voltar.
Afaguei-te o cabelo cor-das-folhas-prestes-a-cair e, sem me deter, beijei-te a vida inteira como se me afogasse em ti.
Fechei-te em mim como se guardam os segredos, sem lembrança ou recordação que te possam fazer voltar. Não te conheço já os gestos nem os jeitos, os tiques nervosos, o olhar cheio de quem traz o mundo no coração... Não te conheço mais a voz, as mãos, os dedos que escreviam o tempo com a tinta da vida esguia que te perseguia; o olhar lânguido que morreu quando te escondi.
Fechei-te em mim para não te ver, para apagar o caminho de flores que percorridas aos saltos despreocupado. Fechei-te em mim para me encontrar, para te perder,para não te saber. Fechei-te em mim para não mais te ser.
Passo.
Passo.
Imóvel, caminho até ao canto, até ao limite a partir do qual a queda é inevitável e lanço-me, de braços abertos, sobre o mundo a preto e branco.
O ar desliza na minha pele como as tuas mãos no meu coração [estrangulador, áspero, doloroso ] e abre sulcos nas barreiras que construí para nunca mais te deixar entrar enquanto me deleito com as memórias do que fomos cá dentro. E já fomos tanto eu e tu!...
Já fomos todo o tempo antes do tempo em que aterro agora na paisagem dura e vazia com a cabeça desfeita [ mais desfeita que o coração ] e os braços esmagados para não mais te abraçar.
Já fomos todo o silêncio antes do silêncio que agora se faz eterno dentro de mim para nunca mais te ouvir a voz.
Já fomos toda a vida, todo o futuro, todos os planos, todos os três... Todos os três, os três!!! Já fomos mais que eu e tu, mais que nós...!
[ já fui mais que eu ]
Já fomos o todo para agora acabar assim neste vazio, neste chão frio onde me espalho e me espraio para tentar abarcar o mundo e o pintar de mim próprio enquanto latejo por dentro pela úl-ti-ma vez.
Imóvel, reconstruo a barreira de sulcos abertos pelo ar; desaperto os punhos fechados na testa e caminho.
Passo.
Passo.
Para longe deste lugar.