Já os nossos corpos mergulharam juntos por entre esta selva de luz roubada, em movimentos perfeitos, em voos alados, numa dança sem fim no centro de um palco sem público. Deixar correr agora cada gota na janela baça... Que desperdicio!

terça-feira, outubro 07, 2014

Dois passos

Passo.
Passo.

Imóvel, caminho até ao canto, até ao limite a partir do qual a queda é inevitável e lanço-me, de braços abertos, sobre o mundo a preto e branco.
O ar desliza na minha pele como as tuas mãos no meu coração [estrangulador, áspero, doloroso ] e abre sulcos nas barreiras que construí para nunca mais te deixar entrar enquanto me deleito com as memórias do que fomos cá dentro. E já fomos tanto eu e tu!...

Já fomos todo o tempo antes do tempo em que aterro agora na paisagem dura e vazia com a cabeça desfeita [ mais desfeita que o coração ] e os braços esmagados para não mais te abraçar.

Já fomos todo o silêncio antes do silêncio que agora se faz eterno dentro de mim para nunca mais te ouvir a voz.

Já fomos toda a vida, todo o futuro, todos os planos, todos os três... Todos os três, os três!!! Já fomos mais que eu e tu, mais que nós...!

[ fui mais que eu ]

Já fomos o todo para agora acabar assim neste vazio, neste chão frio onde me espalho e me espraio para tentar abarcar o mundo e o pintar de mim próprio enquanto latejo por dentro pela úl-ti-ma vez.

Imóvel, reconstruo a barreira de sulcos abertos pelo ar; desaperto os punhos fechados na testa e caminho.

Passo.
Passo.
Para longe deste lugar.

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