Lembro-me dela como se recordam os sonhos, sempre perto, à distância de um mundo. Lembro-me do sorriso reboscado por debaixo daquele eterno véu cinzento (como o outro lhe chamara), dos olhos brilhantes presos em mim, do sinal sobre o lábio superior, o mesmo sinal que saltitava em cada palavra... O toque da mão dela... Lembro-me tão mal do toque da mão dela, como se o tempo me ofuscasse a memória e, em lapsos constantes, me relembrasse da falta que me faz. Sempre à distância de um mundo... Aquele a que eu não soube nunca chegar.
O tempo sempre correu muito depressa para mim. Quando acordo parece que já passaram umas quantas horas e as que restam não se apresentam suficentes para o que pretendo fazer. Não sou do tipo de deixar para amanhã tudo o que não consigo fazer. Consigo e ponto final. Mas, como ia dizendo, o tempo sempre me pareceu correr muito depressa e, provavelmente devido a isso, pelo menos eu atribuo-lhe as culpas com a maior das certezas, não me vá um dia arrepender e achar que não tomei a devida atenção, não consigo situar o momento exacto em que a encontrei bem dentro de mim. Corria o mês das flores, isso eu sei. Lembro-me das tardes que passei no jardim deitado na relva, sempre de barriga para cima, a pensar na razão da sua intromissão na minha vida. Acho que é de barriga para cima que pensamos melhor. À nossa frente o céu, o universo em crescimento, como o nosso pensamento. Gosto de ficar assim horas, com os pés colados ao azul do céu até que o medo se apodere de mim. É que quando pensamos demais, chegamos sempre a conclusões arrependidas, simplesmente porque existem dentro de nós, sentimo-nos feios porque nos coroem por dentro devagar, sem nunca pensarmos nelas. Mas existem! E eu lembro-me disso, dos pensamentos arrependidos dentro da minha cabeça cambaleante num monte de terra qualquer, como sempre.
Um comentário, bastou um comentário para nos ligarmos com aquela corda da fantasia, como se o futuro estivesse à espreita numa esquina da vida ainda não adivinhada. Somos tão minúsculos face aos desígnios do universo que nem reparamos que o mundo continua a correr lá fora. Ficamos presos, ansiosos pelas palavras atiradas para dentro de nós, a ver se chegam lá ao fundo ou se ficam a flutuar. Quando nos atingem num abismo qualquer sentimo-nos felizes. Quando estamos bem, nem reparamos nelas. Somos realmente parvos! E se ficaram a flutuar esquecemo-nos delas como se as atirassemos para dentro da boca de onde vieram. Silaba a sílaba, na entoação do pensamento. E pensamos bem rápido! Ela pensava rápido.
Não sei quanto tempo ela passou a ler o que eu escrevia naquele meu jornal electrónico. A minha face melancólica agradou-lhe, com certeza. Devia ser como o paraíso no meio do inferno, como sonhar e ser ouvido. Eu sei disso, senti o mesmo quando ela um dia me dedicou um soneto, um entre os tantos que haveriam de vir por aí, lançados ao ar, apontados ao meu peito desarmado e já cansado (de mim, do mundo...). Ah, como me regojizei naquelas palavras ternas. E estão tão longe de mim, meu amor. Será que agora me ouves? Agora, tarde como a noite que chegou até nós... será que me consegues ouvir melhor? Era a tua alma colorida de mil sabores naquelas palavras, o meu corpo respirando ar, novamente. E nem assim te aceitei.
Muitas foram as vezes que me escreveram. “É um dos meus maiores sonhos”. E nunca me senti feliz. Gestos de carinho e paixão abandonados, simplesmente porque não eram retornados, simplesmente porque não os queria meus. Mas os dela não. Queria-os como se quer o vento. Passa por nós e sentimos frio. Ou então acalenta-nos a cara, numa carícia inesperada, tal mão embalando a pele. E passa. Sempre. Foi aí que mais errei. Culpa dos fazedores de sonhos, tenho a certeza. Olharam para ela e vislumbraram a luz dos meus dias cinzentos, o silêncio no meio da multidão e decidiram brincar. Uma pequena brincadeira. E demorou tão pouco até que o medo se instalasse...
As palavras dela iam e vinham como as ondas do mar. Em retorno tinham as minhas frases sempre inacabadas, metáforas elaboradas sempre em torno daquela cara desconhecida. Sim, porque não sabia quem ela era. Apenas palavras, daquelas que se atiram tipo flechas. Atiradas para matar.
O tempo sempre correu muito depressa para mim. Quando acordo parece que já passaram umas quantas horas e as que restam não se apresentam suficentes para o que pretendo fazer. Não sou do tipo de deixar para amanhã tudo o que não consigo fazer. Consigo e ponto final. Mas, como ia dizendo, o tempo sempre me pareceu correr muito depressa e, provavelmente devido a isso, pelo menos eu atribuo-lhe as culpas com a maior das certezas, não me vá um dia arrepender e achar que não tomei a devida atenção, não consigo situar o momento exacto em que a encontrei bem dentro de mim. Corria o mês das flores, isso eu sei. Lembro-me das tardes que passei no jardim deitado na relva, sempre de barriga para cima, a pensar na razão da sua intromissão na minha vida. Acho que é de barriga para cima que pensamos melhor. À nossa frente o céu, o universo em crescimento, como o nosso pensamento. Gosto de ficar assim horas, com os pés colados ao azul do céu até que o medo se apodere de mim. É que quando pensamos demais, chegamos sempre a conclusões arrependidas, simplesmente porque existem dentro de nós, sentimo-nos feios porque nos coroem por dentro devagar, sem nunca pensarmos nelas. Mas existem! E eu lembro-me disso, dos pensamentos arrependidos dentro da minha cabeça cambaleante num monte de terra qualquer, como sempre.
Um comentário, bastou um comentário para nos ligarmos com aquela corda da fantasia, como se o futuro estivesse à espreita numa esquina da vida ainda não adivinhada. Somos tão minúsculos face aos desígnios do universo que nem reparamos que o mundo continua a correr lá fora. Ficamos presos, ansiosos pelas palavras atiradas para dentro de nós, a ver se chegam lá ao fundo ou se ficam a flutuar. Quando nos atingem num abismo qualquer sentimo-nos felizes. Quando estamos bem, nem reparamos nelas. Somos realmente parvos! E se ficaram a flutuar esquecemo-nos delas como se as atirassemos para dentro da boca de onde vieram. Silaba a sílaba, na entoação do pensamento. E pensamos bem rápido! Ela pensava rápido.
Não sei quanto tempo ela passou a ler o que eu escrevia naquele meu jornal electrónico. A minha face melancólica agradou-lhe, com certeza. Devia ser como o paraíso no meio do inferno, como sonhar e ser ouvido. Eu sei disso, senti o mesmo quando ela um dia me dedicou um soneto, um entre os tantos que haveriam de vir por aí, lançados ao ar, apontados ao meu peito desarmado e já cansado (de mim, do mundo...). Ah, como me regojizei naquelas palavras ternas. E estão tão longe de mim, meu amor. Será que agora me ouves? Agora, tarde como a noite que chegou até nós... será que me consegues ouvir melhor? Era a tua alma colorida de mil sabores naquelas palavras, o meu corpo respirando ar, novamente. E nem assim te aceitei.
Muitas foram as vezes que me escreveram. “É um dos meus maiores sonhos”. E nunca me senti feliz. Gestos de carinho e paixão abandonados, simplesmente porque não eram retornados, simplesmente porque não os queria meus. Mas os dela não. Queria-os como se quer o vento. Passa por nós e sentimos frio. Ou então acalenta-nos a cara, numa carícia inesperada, tal mão embalando a pele. E passa. Sempre. Foi aí que mais errei. Culpa dos fazedores de sonhos, tenho a certeza. Olharam para ela e vislumbraram a luz dos meus dias cinzentos, o silêncio no meio da multidão e decidiram brincar. Uma pequena brincadeira. E demorou tão pouco até que o medo se instalasse...
As palavras dela iam e vinham como as ondas do mar. Em retorno tinham as minhas frases sempre inacabadas, metáforas elaboradas sempre em torno daquela cara desconhecida. Sim, porque não sabia quem ela era. Apenas palavras, daquelas que se atiram tipo flechas. Atiradas para matar.